terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A estupidez na sua essência...

"Na noite de 24 de Dezembro, a seguir ao telejornal da RTP1, surgiu no ecrã um dístico: "Mensagem de Natal de sua eminência reverendíssima o cardeal-patriarca de Lisboa." Seguiu-se um monólogo de 8,38 minutos no qual o dito falou sobre "o direito de ser ateu" como novidade desagradável e saudou os crentes das religiões "de deus único" apelando à sua união: "Juntos havemos de contribuir para que Deus não seja excluído do nosso mundo e da nossa história."

Ora bem. Tenho a ideia de que estas mensagens existem desde que há TV em Portugal. Ou seja, desde o tempo pré-1976 em que a Constituição não impunha a separação entre Estado e confissões religiosas e em que a Concordata assinada por Salazar equiparava padres a funcionários públicos. Mas nunca tinha reparado mesmo nelas - chama-se a isso aculturação. As caricaturas, porém, despertam-nos da letargia. E há poucas coisas mais caricatas que ver alguém a quem dão mais de oito minutos de prime time de borla (e deve ser baratinho, na noite de Natal) com o envelope de "mensagem à nação" que a lei prevê só para Presidente, primeiro-ministro e presidente do parlamento, a fazer propaganda religiosa enquanto clama "ai Jesus que os ateus me/nos querem calar".

Vou repetir: na noite de 24 a RTP passou propaganda religiosa com a dignidade de uma comunicação de alta figura do Estado. É legal? Legítimo? Aceitável? Através da direcção de programas, a RTP responde: "Ilegal não é." "Será discutível", reconhece, mas sublinha: "É costume - a maioria dos portugueses são católicos, portanto." Vejamos: a presidente do PSD fez uma mensagem vídeo de Natal. Passou onde? Nos telejornais, como notícia. Se o presidente do Benfica, que tem uns milhões de adeptos, quiser fazer uma mensagem antes de um derby, a RTP deixa? E o líder da comunidade muçulmana, pode "falar ao país"? Pois. E porquê? Porque a lei é clara: a propaganda política é proibida fora do tempo de antena, ao qual (que é proibido aos feriados) podem aceder organizações políticas, associações ambientais, desportivas, etc. - mas nunca religiosas; é exigido o pluralismo religioso na programação.

No entanto, a RTP acha, como o cardeal acha, que não há o menor perigo de alguém um dia dizer "acabou". Do alto dos privilégios a que o concubinato entre o Estado e a sua organização o (e nos) habituou, o cardeal vitimiza-se para condicionar "o inimigo" e manter a reverência. Altura então de tirar da fama o proveito. Não querendo expulsar deuses de lado algum - como expulsar o que me não existe? - , impedir seja quem for de crer no que lhe aprouver ou, como já vi escrito (o ridículo não conhece limite), "abolir o Natal", exijo dispensa de que me tentem converter ou insultar através dos meios de comunicação social do Estado. Chega de pagode: quero o país que a Constituição me garante, laico e sem eminências. Esperei 34 anos. Já pode ser?"


Gosto especialmente da parte em que se lamenta pelo dinheiro que a RTP perdeu por 8 minutos em prime-time...

Se isto não é anticlericalismo o que será?

Gostava é de saber porque deixou o namorado enviar as felicitações de Bom Natal no dia seguinte...espero que no Ramadão também venha a Televisão desejar um bom Ramadão...

Ah já agora...para os mais distraidos...o artigo é da Fernanda Câncio...dizem que isto é prática jornalistica...na minha terra designamos por desequilíbrios mentais ..mas isso sou eu que sou da província...

3 comentários:

Cristiana Carinha disse...

É um tema bastante delicado... Não vou emitir considerações, mas vou deixar um frase que li este fim-de-semana: acreditar em vários deuses é aceitável (chama-se liberdade de expressão), mas não acreditar na existência de um único é crime (onde está a liberdade de expressão?). Se fosse o contrário, seríamos nós os "criminosos"?

João Decoroso disse...

Epá... na minha qualidade de "ateu praticante" - logo, segundo alguns, um "infiel, herege, ou apenas inimigo", acho muito bem que a exista e continue a existir a Mensagem de Natal do chefe máximo da Igreja em Portugal. Afinal de contas, o Natal actualmente é (ou devia ser) celebrado enquanto festa cristã. E como cá no burgo os cristãos (católicos praticantes/imptraticantes ou de outro sabor qualquer) são a larga maioria, a RTP apenas presta o serviço público!

Ou a senhora desengonçada a seguir também vai escrever alguma coisa contra a missa aos domingos que a RTP transmite... ?

Anónimo disse...

Ou porque já não vejo bem ou por distração, só vi as aspas no final do post.Fiquei de boca aberta a pensar se te terias tornado ateu ou anti padres. Foi cá um choque!